Se você não mora em uma caverna usou redes sociais nos últimos dias, certamente já viu alguém comentar sobre o último desfile fashion de Rihanna, o Savage X Fenty, Vol. 2 — aliás, saiba como assistir de graça aqui. Hoje estreio aqui no RIHANNA.com.br e trago comentários e reflexões acerca do maior fashion show do momento.
Desde a última edição do desfile da Savage X Fenty, em que Rihanna praticamente redefiniu os conceitos e formas de se fazer um fashion show definitivamente, todos esperavam uma continuidade ainda mais avassaladora desse trabalho de inclusão e quebra de padrões que a Rihanna vem fazendo ao longo dos últimos anos com suas marcas que levam o seu sobrenome, Fenty.
A Savage X Fenty nasceu da necessidade de ver mulheres reais se sentindo representadas por pessoas reais e da incógnita sobre ‘o que é sentir-se sexy?’. A grande maioria das marcas da indústria de roupas íntimas cria suas peças voltadas para o gosto do público masculino, sem considerar o conforto e a autoestima da mulher, objetificando esses corpos e reforçando cada vez mais o sistema machista da sociedade.
Como ela mesma disse em entrevista para Vogue:
“Não acreditamos em divisão. Não queremos excluir ninguém. Essa tem sido nossa mensagem desde o primeiro dia e não vai mudar agora porque todos estão tendo essa percepção.”
Dessa forma, em plena pandemia, com todos os desafios de se trabalhar à distância, sem poder colocar a mão em nada até o momento das gravações que também tiveram todo o cuidado e seguiram os protocolos de segurança da OMS, fazendo inclusive ensaios com dançarinos e seleção de modelos também por meio de videochamada, Rihanna conseguiu entregar um show ainda melhor que o do ano passado, atendendo a todos os pedidos, com a maior diversidade de beleza, corpos e etnias que já se viu na indústria da moda. “[A pandemia] nos forçou a descobrir novas formas de produzir um show. Nós tivemos que descobrir maneiras de fazer com que isso seja o mais visualmente atraente possível”, disse a cantora.
O show, que contou com uma equipe monstruosa de modelos, dançarinos, celebridades, influencers, artistas e amigos pessoais de Rihanna, trouxe ninguém mais, ninguém menos que Lizzo, Paris Hilton, Willow Smith, Demi Moore e Bella Hadid, além de shows de Rosalía, Bad Bunny, Miguel, Travis Scott, entre outros artistas que nos deixaram em surto coletivo fazendo com que a tag #SavageXFentyShow e ‘Rihanna’ ficassem entre os assuntos mais comentados mundialmente nas redes sociais.
Além das peças que foram apresentadas da nova coleção de 2020, participações de artistas, e um mini documentário com imagens exclusivas de viagens da Rihanna pelo mundo — atenção ao momento em que ela esteve no Rio de Janeiro tomando caipirinha em Ipanema em 2011 — e fotografias em altíssima qualidade que estão presentes no Rihanna Book, livro de fotos exclusivas da cantora (disponível para venda também na Amazon, com 10% de desconto Prime com o cupom “LIVROPRIME10”).
Dessa forma, Rihanna contou como foi produzir esse desfile e os desafios que teve que encarar, contando sua própria história de vida e formação da sua equipe que compõem hoje a base da sua marca. O show ainda nos concedeu a honra de poder ouvir um dos instrumentais de uma possível música que estará no novo álbum da Rihanna, intitulada “Real High”, que foi escrita e registrada por ela recentemente, mas que ainda não se ouviu os versos.
O Savage X Fenty Show Vol.2 é cheio de referências artísticas e performances que expressam uma feminilidade e sensualidade que quebram totalmente com os padrões de gênero e sexualidade aos quais estamos acostumados a ver geralmente na mídia, e nos conta uma história através de performances e cenários, que ajudam a compor todo o ilustrativo do que ela pretende contar e compartilhar com o impacto dessa marca.
ABERTURA (ATO I)
A abertura inicia com uma cenografia, criando a ideia de um túnel que lembra o buraco no qual a Alice cai antes de chegar no País das Maravilhas, ao mesmo tempo em que remete a sensação de camadas de tempo, espaço e consciência da cantora que ao fundo narra o início de uma história.
Rihanna logo entra e nos guia mais adiante neste cenário, como se penetrasse mais a fundo dentro do seu próprio íntimo para poder falar sobre como é se sentir savage e como nos trazer para esse universo de descobertas. As batidas do som e a iluminação criam uma espécie de desconexão com o mundo externo e nos conectam diretamente com a voz que nos guia e com a imagem da diva caminhando em direção ao inexplorado.
Logo em seguida ela chega no ponto específico dessa jornada, o início de tudo, e se encontra diretamente com a modelo, dançarina e coreógrafa Parris Goebel, que foi responsável por toda a coreografia deste e do primeiro fashion show da Savage X Fenty, rendendo indicações ao Emmy por melhor coreografia.
Aqui, Parris está conectada diretamente com Rihanna, e se sente fluir uma energia selvagem que a faz performar o que é ser Savage X, palavra que veio diretamente de um ‘fluido energético’ da própria Fenty, e pode ser observado a partir de uma projeção com a logo da marca que acompanha o movimento da coreógrafa; como se fosse uma forma de compartilhar uma confiança e uma corporeidade sensual que agora será performada pela Parris enquanto ela narra um poema que fala sobre ser e se sentir Savage.
Ao final da sua performance, ela deixa o cenário e nos leva diretamente a uma fenda, onde só podemos ver corpos e mãos performando como se fosse através de uma fechadura: algo meio voyeur, como a forma cinematográfica adotada por cineastas como Hitchock para despertar o lado erótico e o suspense da cena, criando um espectro excitante, sugestivo e curioso no espectador. [Hitchcock é diretor de Psicose, filme que deu origem à série Bates Motel, onde Rihanna interpreta a personagem clássica da obra e do cinema, Marion Crane.]
A partir dessa fenda, logo começa o desfile das peças, e esse primeiro ato se encerra com uma performance de Rosalía. Atenção aos dançarinos que aqui quebram totalmente com o padrão de gênero ao performar em salto altos e mostrarem bastante diferença entre eles, mas que muito bem coreografados, sincronizados e expressivos nos dão uma sensação de uniformidade e sensualidade.
ATO II
Já no segundo ato, ela fala sobre ter um diário, e sobre como foi o processo criativo de toda a marca. Então temos o momento de intimidade e de se perceber sexy, com o auge da sensualidade, tudo num cenário dark que representa o seu imaginário pessoal, assim como um diário que não é revelado, um segredo.
Vemos no primeiro instante as modelos em volta de uma mulher preta e gorda no centro, dançando energicamente, como se fosse uma necessidade de expressão contida dentro de si, e que precisa ser exteriorizada.
Nesse ato temos participações de vários artistas que de diferentes espectros da mídia exalam sensualidade e confiança, como as atrizes Demi Moore, Yndia More, a drag Jaida Essence Hall e o cantor Big Sean, que aqui desfila a mais nova coleção masculina de roupas íntimas da Savage X Fenty.
Logo entra a cantora Normani, como a única modelo toda vestida de branco nesta cena (like a virgin), representando uma sensualidade mais pura, angelical, mas ainda assim, com um quê selvagem. Então, cruza na passarela com Bella Hadid, que por sua vez representa o lado dark, malvado e picante, formando assim um ying-yang da sensualidade e confiança, o equilíbrio que a marca quer mostrar para o público.
Para fechar este ato, temos o show do Dj Mustard e da cantora Ella Mai.
ATO III
Neste terceiro ato, com introdução de uma cena da caracterização da drag-queen Shea Couleé, Rihanna fala como acha incrível a arte drag e a possibilidade de transformações que esses artistas trazem para o mundo fashion, sobre criar personagens e performar gêneros de maneira construída, que muda completamente, que transforma.
Os artistas convidados falam como ela leva essa transformação para a moda, e como ela faz da moda sua maior expressão artística, sua personalidade, que faz dela uma camaleoa do pop. Rihanna conta como cria sua personalidade a partir do seu mood, que a maneira de se vestir representa totalmente o seu humor momentâneo, como busca sempre se sentir confortável com o que está vestindo, e que Savage é sobre isso.
Logo, a cantora Lizzo entra em cena performando confiança e beleza se encarando no espelho. Representando a mulher preta e gorda, normalmente excluída de desfiles, sobretudo os que abordam sensualidade.
Aqui, Lizzo exala confiança e personalidade, uma mulher feliz com seu corpo e segura de si, e tudo parece tão lindo que você se questiona como a indústria fez a gente odiar corpos gordos antes. Rihanna faz isso tudo parecer sem sentido para nós, mostrando que sim, aqui temos uma mulher belíssima e incrível encarando o espelho, enquanto a maioria das mulheres acostumaram-se a odiar sua própria imagem quando fora do padrão de ‘corpo ideal’.
Em seguida vemos o outro lado do espelho: uma dançarina performando diante do seu reflexo completamente distorcido, representando a realidade de muitas mulheres que adquirem um distúrbio visual devido à exposição massiva de padrões ideais de corpos inalcançáveis e que induzem ao auto ódio enquanto buscam uma perfeição inexistente.
Aqui, essa cena é performada maravilhosamente pela dançarina que enfrenta esse trauma e o espelho para se sentir segura consigo mesma. A cena se encerra com uma fala da Rihanna e de seus convidados falando sobre o que é sexualidade, o que ela representa para cada um, e que acima de tudo é uma experiência pessoal e de empoderamento. Pra fechar esse ato, temos o show de Bad Bunny.
ATO IV
Enfim chegamos à minha parte favorita do show: o quarto ato, o jardim selvagem. Uma referência ao País das Maravilhas de Alice, o paraíso criado neste cenário abre a cena com um número de abertura incrível do bailarino e performer Jaxon Willard, que expressa sensibilidade e liberdade através de coreografias de dança contemporânea no Jardim Savage.
Nesse momento do show é como se chegássemos ao ponto específico sobre o que é ser Savage, e nada mais é do que sentir liberdade, confiança e autoestima.
Nesse jardim, cada modelo, cada peça, cada pessoa transita livremente e com a beleza excêntrica, exótica e única que cada flor tem. Esse jardim representa a coexistência da diversidade que Rihanna tanto busca para seus trabalhos na moda, e como as diferenças podem ser ainda mais belas postas lado a lado, formando juntos um jardim lindo e exótico. Assim como as flores, os momentos de sensualidade são belos e únicos como uma experiência efêmera para cada um.
Neste cenário, Rihanna surge com o desabrochar de uma flor de lótus, flor oriental que simboliza o espírito, a mente e a pureza, e aqui vai representar a sua própria confiança. Resgatando sua essência de flor rebelde, que, segundo a cantora, é como ela era chamada pela sua avó na infância por ser uma menina fora do comum, mas com seu valor inestimável, que também deu nome ao seu primeiro perfume, Rebelle Fleur.
Rihanna atravessa aqui o cenário num lindo figurino formado por nada mais, nada menos que 450 orquídeas REAIS que pesam juntas 4,5kg e que ela carrega com muita majestosidade, assim como carrega a indústria da beleza, música e moda nas costas, brilhantemente.
Com um look que é quase uma versão da Hera Venenosa do guetto, e que ao invés de veneno esbanja sensualidade, nossa flor rebelde selvagem faz sua passagem efêmera e deslumbrantemente na passarela ao som de um instrumental que é simplesmente a música mais recente registrada pela cantora, intitulada ‘Real High’, que provavelmente é uma palinha do que podemos esperar do seu próximo álbum.
Em seguida temos o que talvez seja a melhor performance do show, uma apresentação super sensual e quente do cantor Miguel e da modelo (que também é sua esposa) Nazanin Mandi. Com uma química absurda, é o casal mais fofo e mais quente que vocês vão ver no palco nesse momento de isolamento social.
ENCERRAMENTO (ATO FINAL)
Em seguida temos uma homenagem à sua equipe e relatos de como Rihanna chegou na diversidade das suas marcas, que em sua maioria são feitas por pessoas de diversas origens, amigos e família, e que juntos compõem seu império e são seu alicerce desde o começo de tudo.
Com o final do show, o desfile de encerramento que acontece num cenário de fábrica industrial, onde os modelos dançarinos performam o cotidiano de operários e máquinas, esbanja sensualidade e vitalidade. Cada movimento, coreografado com referências ao twerk e ao vogue, é milimetricamente pensado para representar ações de trabalhadores e máquinas, que com certeza teve sua inspiração em um clássico do cinema, um filme de Charles Chaplin sobre a revolução industrial chamado ‘Tempos modernos’, uma crítica à falha humana e à substituição do homem pela máquina, que foi a maior reviravolta do capitalismo.
Apesar de estarmos vivendo uma era totalmente capitalista e falando de um show de moda, que é, sem dúvidas, uma obra com fins monetários, Rihanna faz sua crítica à forma como a indústria objetifica pessoas, corpos, beleza, com cada dançarina ali presente representando um operário e cada modelo um produto, objeto!
Destaque para a participação das drags Shea Couleé e Gigi Goode, duas drags de sucesso da série RuPaul’s Drag Race, que aqui aparecem exatamente no momento pós-performance de produção dos operários e maquinarias como o resultado de um produto fabricado.
Elas representam aquilo tudo que uma drag simboliza: a construção (e desconstrução) do gênero, da feminilidade e de como essa arte performa o gênero e a o figura feminina (construção social do que é tido como feminino) a partir da maquiagem e enchimentos, e assim, com essa estética, elas recriam o que seria uma mulher ‘perfeita’: montada, fabricada, maquiada. O que é uma sátira total, e a própria definição da arte drag.
Com esse show, e toda a sua diversidade, Rihanna mostra que é possível sim vender, sem precisar excluir ninguém ou mesmo fantasiar um padrão inexistente a ser seguido para ser incluso na sociedade.
No final de tudo, Rihanna entra para agradecer aos espectadores, junto aos convidados que representam toda uma diversidade de cores, etnias, corpos, nacionalidades, existências, entre outras coisas que ajudam a definir ainda mais como Rihanna e sua equipe foram perspicazes em não excluir ninguém. Dificilmente você vai assistir a esse show e não se sentir representado, seja por uma idéia, imagem, beleza ou história.
Tudo compõe a ideia perfeita de um mundo mais plural e diverso, com mais liberdade de expressão e com a certeza de que a Savage X Fenty foi feita para todas. Ou melhor, para TODES!
Ah, e tem uma cena pós crédito que na verdade é uma performance do Travis Scott que ninguém entendeu, então é só isso mesmo. ASSISTAM!
Nota: com exceção do primeiro parágrafo, e deste, este artigo foi inteiramente escrito pelo autor do post, Igor Ramos, que é o mais novo membro no RIHANNA.com.br. O site é feito para você e com você, leitor do site, com o ponto de vista único de cada autor deste. Contamos com seu respeito.
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